terça-feira, 20 de novembro de 2007

A despedida...

Bem, já nem se devem lembrar de mim...
Os últimos tempos são sempre os mais atribulados. Trabalhos, avaliações, tudo... O nervosismo aperta, o tempo também...
Apesar de esta semana ter demorado muuuito a passar, parece que aconteceu muita coisa.

O Sr. C. que queria ir embora, mas não tinha para onde ir porque os filhos estão emigrados e a esposa faleceu há pouco tempo. E o pedido de Serviço Social que nunca apareceu... Acabou por ser transferido para o Hospital da Póvoa, onde conhecia uma Auxiliar que, dentro dos possíveis, lhe ia fazendo umas visitas.

O Sr. A. voltou para o serviço. Esteve lá anteriormente por um Ca maligno do cólon, mas como estava terminal voltou para casa. A família diz não saber nem conseguir cuidar dele, e ele regressou ao serviço. Está muito ictérico, desorientado, confuso, bastante emagrecido, e triste também. Só come comigo, e após alguma conversa e incentivo pelo meio... Mas lá vai aguentando dia-a-dia. Ontem fui despedir-me dele, porque já não vou mais para lá. Ao meu adeus ele respondeu: "Ah, ta bem menina, vá lá. Depois a gente encontra-se lá no café do Sr. Vitor. Cumprimentos aos seus pequeninos. Felicidades!"... Bem, como já disse, o senhor estava muito desorientado e confuso, e eu nem sei quem é o Sr. Vitor. Mas gostava de um dia o voltar a encontrar... Seria bom sinal...

O Sr. J. foi o que marcou a minha despedida... Estive com ele 2 dias. Tinha 28 anos, era da Maia, e trabalhava na construção civil. Aos 20 anos caiu de uma obra e ficou paraplégico. Agora, está internado no serviço por uma ferida na região nadegueira (possível anterior abcesso) que está em tratamento. Será muito difícil de curar, e as perspectivas não são muito boas. Não vou entrar em pormenores, porque acreditem não iam ser bons. Nunca vi nada assim, e sem dúvida que me marcou. O Sr. J. por norma toma banho na cama, mas ontem fomos ao chuveiro numa maca própria para banhos. Pelo menos já tinha água a sério, e não esponjas meias secas... Durante o banho disse-me que pensava que iria tomar banho sentado, como em casa. Mas com a ferida, não pode sentar-se mesmo. Disse-me que esteve no Centro de Reabilitação de Alcoitão após o acidente, onde aprendeu como fazer tudo sozinho: tomar banho, transferir-se, cozinhar, vestir-se,... tudo. E explicou-me "e só sei tudo isto porque quis aprender. Tem lá muita gente a ensinar. Mas se não quisermos aprender, não adianta nada..." Acima de tudo, custou-me saber o que ele tinha, e pensar que tão cedo não iria poder voltar a fazer todas aquelas coisas que com tanta vontade aprendeu. Estava mesmo orgulhoso de ter conseguido aprender a fazer tudo sozinho, e agora teria de depender de outros novamente. Custou-me saber tudo isso, e pensar que tem apenas 28 anos... E custou-me não saber o que lhe iria acontecer...


O último dia foi assim... Igual aos outros, mas diferente por ser o último...
Agora que já estavamos a entrar no ritmo, acabou e vamos para outro, mas de certeza com muitas outras histórias para contar...
Mas este... este vai marcar de certeza... Porque foi o primeiro, e porque foi óptimo...


Deste bocadinho de céu levo:
* a sensação de dever cumprido, mas sempre a de que posso fazer mais;
* que gosto de cuidar das pessoas e deixá-las (como diz o Sr. S.) "limpinhas, fresquinhas, e bem cheirosas";
* que por vezes temos de segurar muito bem as nossas emoções;
* que existem pessoas que, em pouco tempo, nos marcam muito;
* que a melhor coisa que podemos receber é um sorriso e uma palavra de boa disposição;
* que sabe muito bem quando temos um doente acamado e depois até o conseguimos por no cadeirão, e que ele até consegue dar uns passinhos;
* as pessoas que por lá trabalham todos os dias, os sentimentos e o espírito que deixaram em nós;
* todos os momentos de todos os dias que lá passei...


Tenho a certeza que é isto que quero fazer... É o melhor trabalho do mundo...

Obrigada a todos...

6a-feira é a despedida oficial...


***

3 comentários:

Nuno Costa disse...

Melhor trabalho do mundo...talvez seja como a naquele anuncio a uma cerveja:


Provavelmente o melhor trabalho do mundo! lol

Mas não é nada fácil, como se pode constatar...

Hannah disse...

Consegui perceber toda a emoção deste teu "até logo" ao bocadinho de céu. Efectivamente invejo-te por já estares a consolar dores físicas e psicológicas enquanto eu continuo a sustentar as letras infindáveis de um livro.
Os dias são feitos de pequenos gestos que nos mudam e pessoas que nos tocam... Dessa sensação de conforto quando o dever cumprido é acompanhado por um sorriso. Obrigada por existires para todos eles!

Carina disse...

Oix!

Desculpa lá invadir o teu cantinho mas de cada vez que cá venho agarro mais um pouco de força para não me deixar ir abaixo em cada obstáculo!


Fazes orgulhar aqueles que ainda não passaram pelo estágio ;)

e Já agora mais uma vez obrigada pela ajudinha para o trabalho de bioética! e por não te teres esquecido=)

bju**

carina*