sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A Primeira Cirurgia...


A semana passada tive oportunidade de ir ver uma cirurgia. Tratava-se de uma cirurgia abdominal, com tumorectomia e ressecção de 2/3 do recto.

A doente, a D. L. já havia realizado um Cirurgia de Hartmann (cirurgia em que uma parte do intestino grosso é mobilizado e ressecado, o recto é fechado e é realizada uma colostomia, ou seja, uma derivação da porção do intestino grosso para o exterior, através de uma abertura na parede abdominal, para evacuação de fezes e gases). Tinha antecedentes de carcinoma do recto, pelo que procedeu à tumorectomia em questão. Como havia suspeita de mestástases hepáticas (fígado), durante a cirurgia fez-se uma biópsia do fígado, para posterior análise de presença de metástases. Por decisão médica, se a biópsia se revelasse positiva, a doente iria fazer Quimioterapia e Radioterapia e, se esta resultasse e eliminasse todas as metástases, então posteriormente se realizaria uma reconstrução do trânsito intestinal, com remoção da colostomia, e tudo voltaria ao normal. Assim, foi colocado um Implantofix, que consiste num pequeno disco que se coloca por baixo da pele, com ligação directa a um vaso, e que serve de via de administração dos químicos para a Quimioterapia, evitando que a D. L. tenha de ser puncionada a cada tratamento.
Mas termos médicos à parte, quero só deixar aqui o meu bocadinho desta experiência. Este palavreado todo foi apenas uma introdução, para perceberem mais ou menos o contexto.


Bem, chegada ao Serviço, recebi o convite para assistir à cirurgia, o que aceitei de imediato! Segui com a D. L. para o Bloco Operatório, fiz a transferência, e passei para a sala ao lado, para me equipar a rigor. Como ia apenas assistir não vesti farda esterilizada, mas sim uma farda limpa. Pus a touca, calcei aqueles "sapatinhos" magníficos, coloquei a máscara e lá fui corredor fora. Estava frio (mas tem de ser assim senão os bicharocos fazem uma festa)... Segui para a sala do BO onde iria decorrer a operação, e lá encontrei a D. L. a ser preparada pela equipa de anestesia. Entretanto, a enfermeira circulante (responsável por aprontar todo o material necessário à cirurgia, junto com a enfermeira instrumentista) foi-me explicando tudo o que era necessário fazer antes da chegada dos cirurgiões. Colocar os campos esterilizados, os materiais, as soluções, os fármacos, nada pode falhar. E quando tudo estiver pronto entram os cirurgiões... e começa a acção. A enfermeira anestesista mostrou-me os monitores, o que significava cada traçado, cada número, cada cor, o que era cada fármaco, para que servia,... Tudo me foi explicado ao pormenor.
Tudo a postos, e entram os cirurgiões. Vestem a bata, calçam as luvas, põem a máscara e mãos à obra. Ao som de Diana Krall, todos tomam as suas posições em redor da D. L. e o bisturi eléctrico começa a trabalhar. Lá vão aparecendo aos poucos as várias camadas de pele, os músculos, os órgãos, tudo o que temos cá dentro e algumas coisas não fazemos ideia. Nada é tão organizado como nos desenhos, nem tão simples como aprendemos a distinguir em anatomia. Ao vivo e "in vivo" é tudo bem diferente... Ao longo da cirurgia, os cirurgiões lá foram explorando até que alcançaram o tumor. Tinha cerca de 15 cm, e tinha atingido quase todo o recto. Após todas as medidas de segurança, o tumor foi ressecado, bem como um parte do recto, restando apenas uma pequenina porção do mesmo. Seguiu-se a biópsia e, pelo meio, umas explicações de anatomia pelo cirurgião. Foi giro poder ver tudo tão de perto, e perceber que tudo faz sentido, tudo tem uma ordem lógica.
Após tudo isto, segue-se a colocação do Implantofix, com ajuda do Ecógrafo para encontrar o vaso e de Raio-X para confirmar a correcta localização do dispositivo.
E está acabada a cirurgia. A Diana Krall dá lugar ao Chico Fininho de Rui Veloso, começa-se a arrumar o BO e a acordar a D. L. da indução anestésica. Aos poucos, a D. L. foi abrindo os olhos, respirando por si e, ao som da Paixão, esboçou um pequeno sorriso e disse "sim, estou bem". Tudo correu bem.


Foi uma experiência inesquecível e muito importante. Agora vejo com outros olhos os doentes em pós-operatório pois, de certa forma, e embora as cirurgias sejam todas diferentes, assisti àquilo que aconteceu durante o seu sono profundo. Para os doentes, é uma questão de segundos, entre o adormecer e o acordar. Mas neste curto mas longo espaço de tempo, muita coisa acontece... E estamos entregues a muitas mãos... e à estrelinha que todos temos a olhar por nós.


Foi bom. Gostei. Gosto cada vez mais deste bocadinho de céu que escolhi para mim...


(não sei se fui muito "chata" neste post, mas tinha de vos contar este bocadinho...)


***


Sem comentários: